Cubo-Mágico

Fugit irreparabile tempus

Quanta atrocidade tornar os dias dias, os meses meses, os anos anos. É como um cubo-mágico de proporções incabíveis que compete a nós destacar em faixas monocromáticas. Eis um novo ano, que, como todo ano-novo, separa-nos de nossa antiga vida. Eis um pacto capaz de nos conceder o recomeço. Porém, não se sabe onde está a magia que nos conforta para que possamos ajustar tudo o que há de torto no passado com a simples troca do calendário posto na despensa.
Esse ano que mal amadurecera já me foi tomado, deixando-me como mero figurante de novos propósitos. Como todo temente a deus obrigado a conviver com o calendário gregoriano, encontro-me derramado entre desvarios sentimentais, em busca de ideais, senão criativos, ao menos úteis à busca da vida equilibrada da qual ouço tantas referências.
Imagine qual não foi a minha surpresa quando acordei no que seria o primeiro dia de minha nova vida e me engasguei com a decepção por tudo estar exatamente como era antes. Os móveis, os rebocos e as angústias, os asiáticos arrasados pela natureza e os homens-bomba e governos-bomba, tudo em seu devido lugar. A mesma Lua que me acompanhou em cada noite, para bem ou para mau, mal-dormida, o mesmo Sol que deu olhos às minhas vinte primaveras.
Mesmo que o calendário da despensa exiba outra vida, sinto que meus destemperos continuam os mesmos. Sei que pode ser perigoso encarar um ano novo, vida nova, sei que busco rumos que não encontrarei através de promessas, portanto, agora, fugirei do erro de outros ciclos, quando me dediquei mais a votos do que caminhos.