Iluminação Pública

Commoditas omnis fert sua incommoda

Preferia ser assaltado por pesadelos sombrios, sonhos obscuros, atormentados, vexados por mensagens ascorosas, mas minha cobiçada melancolia topa em sonhos eróticos e soberbos unicórnios alados.
Liquidifico-me entre as fronhas misturando coquetéis fármacos. Se ontem fiz de dois um, hoje, fiz de um erro todos - amanhã inventarei numerais.
Da janela, contemplo uma lua desolada. Consolo sua vaga lucidez, pois sei que não se pode enxergar as almas quando iluminadas por zinco ou néon.
Como há menos luar, sobrou-nos, da boa embriaguez, mera histeria. Daqueles crimes cometidos em nome da paixão restaram apenas os estupros de iluminação pública.

Feliz Pizza!


Dia dez de julho, o calendário se voltará irônico ao Brasil e o acaso nos sorrirá, deixando escapar uma gargalhada jocosa. Sim, pois, por uma daquelas coincidências que mais parecem ser caprichos divinos, o décimo dia do sétimo mês do calendário gregoriano vem sendo dedicado à Lei Mundial (e aí não se exclui Brasília) e à Pizza.
A pizza (para os napolitanos, picea) se tornou íntima dos italianos, pois era alimento destinado às classes humildes do sul da bota, mas tem a honra de sua concepção disputada por egípcios, gregos, babilônios e hebreus. O disco de massa assada com ingredientes por cima chegou ao estômago do rei Humberto I de Itália, e dali ganhou o mundo.
Da primeira pizzaria, a Port’Alba, ao desembarque junto aos imigrantes no Brasil, a pizza se revelou de preparos mil e ganhou lugar tanto em mesas nobres quanto humildes. O cotidiano de São Paulo e a massa se confundiram de tal maneira que os encontros amigáveis por fins de celebração e acordo acabavam ao redor de uma suculenta pizza.
Por imaginar que no Congresso os encontros entre aliados por conveniência acabem da mesma forma festiva, se convencionou dizer que as acusações a que eles deveriam responder — mas optaram por ignorar pelo bem da classe — acabaram em pizza.
Em pratos limpos, quer dizer que a Lei foi descartada, deixada no pratinho das bordas, enquanto um bando de criminosos, amigos até que isso seja conveniente, se uniram para manipulá-la em favor próprio. A expressão se tornou cotidiana e, nesses últimos anos, os brasileiros ouvem falar tanto em pizza no sentido figurado que podem acabar por se esquecer da iguaria italiana, o disco de massa assada com ingredientes por cima.
Enfim, ao que me motiva: feliz dia dez, feliz pizza! Que todos os nossos desejos se realizem! Daqueles que prezam pelo bem da justiça àqueles que anseiam o conforto do colarinho-branco, passando, é claro, pelos que pediram uma pizza de calabresa há mais de uma hora.

Ventre Crescido

Accepto damno januam cla

Cabia-me, como prisioneiro, tramar fugas viáveis. Mas eu não correspondia. Os rumores de que lá fora os homens tratavam de se exterminar consumiam meu ímpeto. Ademais, sabia que não havia Justiça que garantisse alvedrio aos homens livres.
Essa parca luz invade a cela bruta e úmida onde jazo trazendo imagens idealizadas do mundo além-grades (o asfalto que se move, as falsas esperanças que se reciclam e as vidas sacrificadas pelo sustento dos demais) e inibe qualquer impulso que estimule meus músculos definhados.
Estive ainda mais certo de meu destino recluso quando os carcereiros, num ato trocista, fenderam as portas de cada cela deixando um corredor patente entre os prisioneiros e a sua liberdade, e apenas dois ou três da multidão de detidos fétidos ousaram deixar a prisão.

Faça Primavera

Quae mala cum multis patimur leviora videntur

Faça primavera, faça outono/Não vejo por que reagir/Tento me libertar deste sono/Mas acabo por me deixar cair.
Faça primavera, faça outono/Se prometo revoltas minto/Dou-me ao banho morno/Mesmo que já esteja limpo.
Faça outono, faça primavera/Espero que obstruam passagens/Pois tal paz nos dilacera/Como rio brando sem margens.
Faça outono, faça primavera/Peço que bombardeiem a calma/Imploro por uma nova guerra/A fim de distrair minha alma.

Esclarecimentos Possíveis

Se você ou outros chegaram até aqui, foi por um acaso inusitado. Porém, num ato de extrema boa-vontade, darei alguns esclarecimentos aos intrusos. Começo por revelar que os textos publicados aqui não foram escritos para que você ou outros os leiam.
Este sítio se presta a que eu plante meus desaforos, veja brotar meus humores e, caso caiba precisão, futuramente colha seus frutos maduros. Ou os deixe apodrecer. Eu não busco loas ou celebridade, pois isso não saciaria meu ego. Hoje, só admito ter pendências contra minha própria pessoa.
Como prova de meu desapego, esta publicação intimista amparará umas poesias juvenis que escrevi há anos. Como não aceitava métricas, tais poemas se exibem como prosas picotadas e sua incompetência lírica será ignorada, pois todas têm certo valor nostálgico para mim.