Pequeno Príncipe

Ille nihil dubitat qui nullam scientiam habet

Cabe-nos, ao amadurecer, aperfeiçoar métodos civilizados de sobrevivência em sociedade. Por uma vida pacífica forjamos hipocrisia, travestimos crueldade e corrompemos boas ações. Os vícios de nosso âmago, por sua vez, florescem aprisionados em uma cúpula de inocência até serem libertos por uma pandora qualquer, que, por um capricho inusitado, acaba por exibir os males que nos habitam. A ingenuidade, o último ente que nos preserva... O instinto rudimentar que ignora os mecanismos da perversão que nos amparam quando crescemos.
Quando nós tínhamos doze anos, meus amigos se enfiavam sob as cobertas e simulavam espasmos. Falavam em espermatozóides e outras bugigangas. Quando queriam ver um sorriso amarelo e um olhar perdido na cara de um imbecil, citavam anatomias de seres sobrenaturais. Mais tarde, desvendei algumas metáforas e varei noites em busca de orifícios nem largos nem estreitos.
Só aos quinze fui entrar em um ônibus. Como não sabia da existência do arame sobre as cabeças, imaginei que se parasse em todos os pontos. Em certa hora, temi ter que pular do veículo em movimento. Já batiam as doze badaladas quando eu, sozinho na lotação, fui abordado pelo cobrador, que me levou de bicicleta do ponto final à avenida próxima de casa.
Com dezessete anos completos, ingeri álcool. Bebi pouco da cerveja precursora e tive que fingir estar alterado para ser aceito pela trupe. Nesta noite me perguntaram se eu era virgem, e como, aos quinze, eu houvera tocados nos seios de uma menina de mamilos inchados enquanto brincávamos de pega-pega, eu afirmei que sim. E não houvera sido tão ruim quanto dizem ser nossa primeira vez.

Revolta Conformista

Tempora mutantur et nos in illis

Somos donos da situação. Eis nossa estratégia, nossa guerrilha silenciosa, a forma de se ser rebelde em tempos modernos: confundir os que se preparam para nos combater fugindo de cada batalha. Esperamos, assim, que os já acomodados sucumbam à loucura por todo o seu preparo se revelar em vão. Pais descabelados por não ver obstinação em seus filhos adolescentes; burocratas com os nós das gravatas desfeitos por não ver passeatas em seus paços.
Quando nossa geração tomar as dores do mundo, daí em diante, só se fará dias monótonos nas avenidas. Policiais sedentos por usar seus cassetetes e jatos dágua; fuzis livres de rosas. Se nos torturaram em outros tempos, insurgiremos com tal tortura psicológica: não haverá passeata, e toda nudez e palavreado serão banalizados. A geração sem sustos e seus fúteis messias se ergueram entre o caos, sem questionar ou cogitar.
Uni-vos, jovens patrícias e maurícios! Abaixem vossas faixas, abandonem vossas pedras, ostentem vossos celulares em vossos pescoços! Façam do sexo rap estadunidense e do sofrimento emocore! Pois, sabemos que nossos antecessores, que se disseram vitoriosos, não só foram derrotados e humilhados, como foram manipulados para crer no contrário. Então, uni-vos, e banalize-vos!
Somos donos da situação. Mesmo que pareça um golpe desesperado, contemplamos os métodos antigos e os vemos falidos, logo, só nos resta inovar. Infelizmente, para nosso desgosto, há aquela triste ciência de que logo nos entregaremos e seremos recrutados pelo exército inimigo. E aceitaremos nosso futuro com a mesma resignação dos velhos guerreiros. Mas aí, então, esperaremos pelos futuros insurgentes já conhecedores de artifícios de combate efetivos.

Sem Questionamentos

Sentientum cum multis

Sou imperfeito, pois sou criação divina; sou intolerante, pois fui forjado diferente; sou estúpido, pois meu tempo se extingue; sou fútil, pois sou azulejo público.
Sou ranzinza por querer mais afago, sou triste por querer mais alegria, sou cético por querer mais fé, sou pessimista por querer mais esperança.
Se tenho alguma inclinação depravada, trata-se deste mau costume de questionar. Pois nunca mais questionarei e, assim, não precisarei mais pedir perdão.

Mês São

Nosce te ipsum

Chegou-me por línguas senis, pouco ocupadas, porém amparadas por grande vivência, que eu carecia de alguma hombridade, certo punho adulto. E acusaram minha sobriedade de se afogar em embriaguez nos delírios mais infantis, ousaram denunciar minha breve vida como um circo de rebeldia sem fundamento, um picadeiro para fantasias ansiosas por rolar sobre as reais idades. Por acaso, tudo não passa da verdade. Eu sou louco, admito, sou confuso, muitas vezes enlouqueço, confundo. Não trato futuro como indispensável, meu mundo, onde eu me misturo àquilo que há de real, traz um delicioso porém: ele pode e irá mudar para melhor.
Sou uma criança, sempre fui e sempre tive consciência disso (mesmo ante sua própria escassez), mas, por certos dias, tal confissão me incomodara: eu jazo sob vinte anos de devaneios, muitas vezes me embaraço naquilo que não amadurece, não evolui. Aspirações tidas como universais nunca haviam me atravessado: como eu poderei me tornar alguém em vida, um exemplo na morte?
E foi assim, tão suscetível, que acabei por cair na armadilha dessas cabeças decrépitas, ponderei minha loucura, medi minha imprudência, trouxe ao macuco meu horizonte sóbrio, enfim, fiz-me adulto para me tornar aceito, audível por quem se dispusesse a me apresentar a tal idade madura, mas principalmente por ver essa próxima etapa como necessária.
Qual não foi minha aventura na nova idade, a odisséia de uma criança entre os mais ratificados adultos. Sofri por certo tempo, reneguei-me, mas logo minha disposição se pôs a contrariar máximas maduras. Bradaram contra minha loucura e temeram o louco que se crê revolucionário, como se não houvesse nada mais aterrorizante. Logo eu era apenas outro demagogo, trataram como impudica, senão mero verniz, minha ideologia de norte tão comum, tão virtuoso.
Foi aqui que descobri o quanto prezo minha loucura: antes minha rica insanidade que sua pobre lucidez. Sou ao menos uma criança aquariana fidedigna, minha doidice não se faz empecilho, senão diante da sanidade caquética dos encanecidos. Sem loucura não haveria sanidade, pois, parece-me, então, que minha exagerada alienação dá aos velhos a impressão de que são sóbrios mais do que o bastante, dando-lhes certa dose de razão, coisa assim, que se confunde com certo punho adulto.