Somente Revolução


Certas manhãs, os jovens acordam avessos às penumbras que os cercam, carentes de novos cenários. Enquanto uns se aventuram em estradas áridas, procurando se distanciar de caminhos, outros buscam exaltação em sua própria comodidade.
Porém, quando em dados rosicleres, tanto os filhos burgueses quanto os filhos de si mesmos despertam após noites de aflições inexplicáveis, nascem as revoluções. Surgem, então, pouco antes do meio-dia, exclamações que anunciariam os novos tempos e que deveriam trazer à nossa mesma terra feições de um sonho bom.
Coube aos jovens dos anos setenta a fortuna de escolher os meios perfeitos. Entre os caminhos palpáveis para alcançar sua tão sonhada liberdade, esses jovens descobriram em seus corpos, que lhes eram irredutíveis, armas convenientes. Como forma de atacar aquilo que lhes aprisionava, lançaram mão de seus instintos e abusaram de artilharia que fizeram prazerosa. Logo, se viu os pudores estilhaçados e as convenções demolidas.
Mas toda revolução tem seu fim. Quando os anos serviram os louros aos adolescentes que pregavam desvarios sexuais, se tornou evidente sua irresponsabilidade, e as marcas da batalha pacífica desfiguraram os muros da nova sociedade de tal forma que nunca mais se pode ver (ou fazer) o sexo da mesma maneira.
Como toda insurgência, essa tem importância inquestionável por mudar os rumos da sociedade, mas, assim como tantas outras, por ter se baseado em utopia e paixão, trouxe resultados inusitados e incontroláveis.
Se fez bem enorme ao ocidente por trazer franqueza e cumplicidade às uniões sexuais e exigir discussões sobre o amor e a mulher, a insurgência não deixou de fazer emergir diversas convulsões sociais, e, inclusive, amparou valores obscuros, ditaduras travestidas em alvedrio, além de condenar as gerações futuras ao medo de males até então desconhecidos, como vírus disfarçados de amor.
Lançaram-se aos ares as pernas de nossa sociedade tão puritana, mas, ao baixar da poeira, vislumbrou-se toda a esquizofrenia desse velho mundo refeito. Coube, então, aos jovens do futuro recolher destroços, o que acaba por confundir seus valores e exige deles, neste mundo contemporâneo, qualificado como louco, a lucidez e a responsabilidade que contrariaria qualquer revolução.

Saúdo Marx


Saúdo Marx, pois, mesmo quando débil, já encontrando sua brevidade, o homem ousou sonhar, como faz todo jovem tolo, criando para si um mundo próprio, por regra mais belo que este. Sua alma, entretanto, parecia ser tão histriônica que acabou por contagiar esperança; seu mundo, então habitado por ele e nada além, se tornou povoado.
Pouco sei sobre sua ciência, pois sou um idiota, porém, as palpitações que os novos mundos reservam aos jovens, essas, sim, eu posso afirmar que me entusiasmam. Pois Marx cultivou sonhos, tratando homens abandonados pelo acaso como proprietários dos próprios ares, e mais do que um idealista que ousou demais até para os loucos, o velho barbado parece ter se mostrado de admirável inteligência, já que convenceu a tantos sem nem mesmo se declarar um enviado divino.
A ânsia por uma verdade e a fé no universo que ele próprio teceu podem tê-lo feito perder muito da confiança alheia; seus desvarios, embora pudessem ser tratados como sãos, jugulavam os desejos mais impossíveis, desconhecendo zelos e burocracias. Porém, nunca poderão ser tratados como vãos, por ser de boas intenções.
Enfim, saúdo Marx, pois, mesmo quando defrontado com agruras e azedumes, o velho creditou suas loucuras à posteridade, caindo sobre a coerência como uma rocha, ignorando sua própria queda. Marx tratou sonhos como ciência, demoliu lógicas e mostrou ser possível fazer concretos os sonhos.