Protesto Derradeiro

À Bruna e a mim

Tive medo quando avistei tua silhueta, receio de não poder amparar teu carinho. Eu não tenho ferramentas afetivas, minha bacia se torna pilar, meus braços se tornam marretas, minha cara pesa toneladas e eu não posso mover os músculos da tez. Meus dedos, feito bigornas, poderiam machucar tua face tão disforme e inacabada quanto bela. Queria ao menos demonstrar minha admiração por tua rebeldia, mas tua confiança hesitante sempre tripudia sobre minhas tentativas coxas.

Meu tronco áspero e meus braços rígidos como mármore envolvem temerosos teu corpo nebuloso. Comprimo teus tecidos enevoados contra minhas angústias como se esperasse que algumas se desprendessem de mim e lograssem tua alma e teu corpo. Antes que nos afastemos perplexos uno novamente as mãos a tuas vértebras, pois sei que sumirei diante de um muro de receios embaraçados quando nos pusermos um diante do outro. Então, eu encararei tua pele rósea, desbotada como pétala caída, convencendo-me que peço, sim, por beleza, inclusive aquela que dizem haver no âmago da pessoa, sentindo-me tão belo por fora quanto por dentro ao crer estar refletido nos olhos que julgo espelharem o meu avesso.
Por minha sanidade, sei que eu deveria me livrar logo de tua presença murmurante. Sei que minha comoção passa pelo desespero de quem faz pequenas incisões em seus braços com lâminas gastas, mas, salvo meu egoísmo, nada em mim luta para me defender de tua presença. Quando busco motivos para continuar sendo apenas quem sou, algo em mim protesta que é preciso te amar, mesmo que o afeto se choque contra minha suposta inclinação ao desprezo. Portanto, amar-te-ei, nem mesmo que seja apenas por mim e para mim. Tratar-te-ei desde já como emplastro, senão como cura.

Moiras Aflitas

Litterae non entrant sine sanguine

Sinto que só a Literatura poderá me salvar da trágica demência ou da cruel mediocridade que vislumbro, ora temeroso ora conformado, no que se me revela futuro. Quando sóbrio, só entre as páginas mofadas de um bom livro encontro refúgio da realidade magarefe que me flanqueia, do mundo arcaico que consome tudo que há além dos logros que eu arrebato do romance para cativar junto a meus próprios vícios.
Trato como relato verídico cada ficção que tomo e, assim, faço da vida tão menos vulgar quanto eu desejar. Acomodo minhas criações entre as arestas cotidianas tal qual idealizo um por um meus convivas, tornando-me cômoda sua existência. Enfim, contenho minha loucura lhe dando formas. Quanto às medidas da nova realidade, eu extraio da obra de outros loucos, sobreviventes de seus respectivos universos.
Mesmo que tardia, creio que essa intimidade possa me trazer proveito, afinal, já tentei encaixar minha silhueta sinuosa em toda espécie de entalhe reto e, claro, eu nunca coube. Porém, munido de um escapismo passível de se dosar, imagino ser viável a convivência às margens da objetividade, afinal, não precisarei deixar de dissimular nem mesmo me acomodarei a este mundo ainda chato, pois me dedicarei a torná-lo cada vez mais tortuoso.