Dedicatória Conveniente


Soa patético iniciar de tal forma um manifesto púbere, porém, prefiro denunciar logo meu sentimentalismo ridículo, pois não seria capaz de escondê-lo. Enfim, contrariando certas expectativas, dedicarei este manifesto a meus pais.

Não desejo agradar a meus progenitores, trata-se apenas da necessidade de expor sua importância para a minha construção. Logo, serei expurgado da idade mais confusa que se vive, como exige a natureza dediquei cinco, seis anos a questionar meus pais e, quando conveniente, a odiá-los.
Sei que cairia em um lugar-comum enfadonho caso eu apenas agradecesse o alento e os cuidados de meus benfeitores, portanto, irei me ater ao que acredito ter sido o melhor que meus pais fizeram por mim: questionar minha juventude.
Por plantar pequenas teimosias aprendi a cultivar argumentos, por contrariar seu zelo nadei contra correntezas, invadi insurgências, mesmo que inglórias, tomando seu entusiasmo para mim. Quando confrontado com a utopia que assalta a juventude, optei pelo protesto, não pela afasia.
Para elucidar o respeito que guardo por meus pais, ainda devo citar sua prontidão em corresponder à minha rebeldia. Quando já vislumbrava a vida adulta, eu descobri que sempre podia questioná-los, o que me deixava exausto e satisfeito, e odiá-los, quando coubesse, trazia-me certa placidez de espírito capaz de acompanhar meus passos por um longo percurso.
Hoje, resta-me esperar que essa paz dê segurança aos protestos que meus pés jurarão contra o solo que meus pais me proveram.