Inusitado Ululante


Se os astros houvessem se movido um dedo mínimo que fosse para o lado, eu teria nascido completamente frígido, incapaz de encontrar algo que me confortasse ou qualquer compromisso que me revigorasse. Eu teria deixado meu limbo amniótico sem alento algum para a vida.

Eu não tenho habilidades notórias, sejam elas físicas ou intelectuais, eu não sei lidar com pessoas, nem mesmo estatísticas. Quando eu me afeiçôo a algo, sei desde então que não terei minha dedicação displicente correspondida.
Por habitar uma fatia estreita do círculo comum, dei-me ao oportunismo, apeguei-me ao modo mais egoísta de se colocar entre os entes sociais que o cercam. Eu pretendo, pois, escrever, dar agruras em troca da aceitação piedosa que habita o leitor.
Eu não detenho conhecimento de causa alguma e, infelizmente, nasci dono de uma desfaçatez incapaz de subjugar minha própria inteligência. Portanto, se quiser receber alguma atenção como escritor, eu não poderei me dar às letras senão para expor meus sentimentos mais vergonhosos.
Há quem tenha oportunidade de viver de um trabalho prazeroso, ou ao menos senhor de momentos de deleite, mas, desgraçadamente, sinto orgulho do que escrevo apenas até que o texto em questão seja lido por outrem. Meus sentimentos mais grotescos, quando expostos a meus próprios olhos, revelam uma coragem que eu não sabia que tinha, mas, publicados, não passam de um ridículo delicioso.
Ainda assim eu escrevo, pois me sinto menos pesado quando me livro daquilo que cotidiano algum suportaria ver exibido. Conforto-me ao imaginar que sejam apenas signos em um papel, e não eu a cuspir loucuras.
Mais tarde, tomarei uma boa música e o uísque decorativo para celebrar outro dia monótono que passou por grande conquista. Há um novo sentimento condenável que posso tratar como não reprimido, outra criatura grotesca que livrei de minha rotina.
Deixo-me ao sofá relembrando a paz da infância, quando não sentia nada que não fosse comum a todas as crianças, quando meros sentimentos não poderiam ferir as convicções de toda uma sociedade. Quando não poderiam ferir a mim, tal quais ferem hoje, cicatrizando em meu âmago como estalagmites pontiagudas, capazes de esfolar mesmo os anseios mais oportunos.