Sobre Porvires


Suicídios são todos mesquinhos, ainda mais os suicídios urbanos contemporâneos. Eles podem, sim, possuir certo lirismo, mas esse escoa da poesia urbana contemporânea, que vive embriagada por seu próprio soro de presunção.

Saltar do alto da própria vaidade, ignorando que vida alguma merece grandes temores ou tamanha prepotência é um grande erro cometido pelos viventes menos convencidos de sua prisão irrefutável.
Eu falo do suicídio porque estou intrigado sobre como ele assalta os adolescentes. Cresci atazanado por suicidas — músicos, romancistas, poetas consagrados — e antes eu tratava essas pessoas, aclamadas por sua paixão contraditória com os viveres, como gênios capazes de extrair da vida valores imperceptíveis, de entender mais do que qualquer outro as conseqüências de se viver.
Muitos daqueles que foram encontrados estéreis ao lado de um bilhete de traços errantes eram, para mim, um exemplo de como usurpar da razão fugindo do senso-comum. Esse parecia, afinal, o caminho avesso à rotina, o que cativa um jovem tal qual a lâmpada seduz a libélula.
¿Seria, então, admissível pela razão divina que uma criatura desistisse da vida por não ser capaz de entendê-la? Soava-me como uma questão cabível. Já hoje, pergunto-me por que esperar sempre pela justiça.
A vida de um adolescente niilista parece ser guiada pela tirania do acaso, mas quando se chega à idade adulta se vê que não só os jovens sofrem da covardia de deus. Descobre-se, também, que só as amarguras são capazes de destacar os instantes de felicidade.
Eu sobrevivi à minha juventude agarrado ao medo, salvo não pela racionalidade, mas pelo misticismo, afinal, ¿como eu poderia admitir fuga para um destino de conforto incerto?
Eu trago aquele sentimento presente no suicida: por vezes, deixo-me subjugar por meu ego. Hoje, porém, cuido para deixá-lo apodrecer em algum canto qualquer de meu âmago, sedento por humores.
Daqui, via-me tão grande quanto o mundo que contemplava, mas aos outros, dava-lhes escala de insetos. Descobri, todavia, que ignorava as almas alheias não por serem desprezíveis, mas tão somente por eu viver distraído demais com minha própria grandeza, meus quereres e meus porvires.
Por fim, eu revelo ao suicida que esta fórmula pode não trazer felicidade, mas impede qualquer um de cometer um grande erro: contemple-se de longe, assuma sua mediocridade, pois, não será possível alcançar qualquer coisa além disso.