Glória, Glória!

Absque vado fluvius, nec stat sine pelice proles

Era uma vez um Estado não muito distante onde, em certa manhã, uma branda figura surgiu iluminada entre magníficas auréolas douradas, contornando os ventos e movendo as nuvens ao seu redor. Ela se proclamou a própria Ética. Os cidadãos, antes deslumbrados, ao tomar ciência de tal presença sagrada, julgaram-se abençoados. A população de tal Estado, então, pôs-se de joelhos, reverenciando aquela bela entidade, e não tardou para que todos os homens públicos do lugar se pusessem diante dela, igualmente embasbacados, tratando o seu como o mais afortunado entre os Estados.
Entre os murmúrios e as orações que se ouviam insurgiu uma voz que questionava tamanha benção: que, se fosse realmente milagrosa tal divindade, indicasse quais entre os homens públicos do Estado não mereceriam beijar os seus pés e louvar sua figura majestosa. A Ética, formosa em seus gestos, afável em suas feições, apontou suavemente seu indicador ao primeiro entre os homens de terno que se punham ante seus pés. Os cidadãos, pasmos, voltaram-se ao homem, que ajeitou sua gravata e, enquanto corria-lhe uma lágrima, pôs-se ao fim daquela fila. Antes que pudesse se refazer de tal choque, porém, a população do Estado viu que outro homem público já era denunciado pela Ética. Enquanto seguiam os burburinhos, outro e outro e, logo, todos os homens públicos do Estado foram, um por um, apontados pelo cadente indicador da gloriosa Ética.
Os políticos e burocratas, quando se amontoaram ante a população e sua censura, puseram-se, então, a difamar a suposta divindade, insurgindo contra sua validade. Como poderia um Estado de homens lúcidos, do século da ciência, creditar tanta confiança a uma figura mística e um suposto milagre? Como não exigir da tal entidade comprovação de suas denúncias? E, afinal, como poderíamos acreditar em nossos próprios olhos quando eles abusam de nossa própria razão?
Os cidadãos, então, sacudidos pelo discurso racional de seus representantes, abraçaram-se às pedras, telhas, puas e tijolos do redor e, antes que a entidade charlatã que se proclamava Ética pudesse reagir, atiraram aquilo que estivesse ao alcance das mãos na figura, que, assombrada, deu as costas àquele povo e nunca mais surgiu naquele Estado.