Águas Eternas

Guttatim pelagi perfluit omnis acqua

Entre as grades da janela saltam águas de uma chuva que padece. Complacente, retêm-se entre o ar e a rotina sem se aventurar em tempestade. Covarde, permite-se morrer sem lutar, deixando-se em túmulos entre o asfalto – em plácidos anéis, divergentes, pois devem disfarçar sua monotonia, cada qual abrindo diante de meus olhos um túnel de lembranças, inclusive daquilo que cisma em não acontecer.
Como se, em lugar das nuvens turvas e sombrias desta chuva pálida, meu passado cobrisse a cidade, e meus arrependimentos, em lugar do vapor, fundissem-se em água, gotejando tudo o que já fui de turvo e sombrio, libertando, assim, a razão de meu desespero, o que me percorre de mais doloroso: a certeza de que, sob minha alegada ignorância, eu sei quem eu realmente sou.
Cada lágrima despendida de tais nuvens, cada vez mais lentas em seu caminho, amparadas por seu destino de incomodar cada superfície, perdem-se entre as dores e o lodo, enquanto nego a questionar às minhas mágoas por que, mesmo sabendo da eternidade destas águas, eu não consigo ir para longe das grades desta janela.