Euforia, Euforia

Crescit in egregios parva juventa viros

O comboio colorido foi dar numa rua sem saída e o motorista, talvez tomado pela exaltação pueril que invadira sua tarde, acabou por entalar as carruagens ocupadas por crianças eufóricas entre duas esquinas. Da janela de casa, assisti ao alvoroço de infantes que conjeturavam desastres (eu estacara diante do cenário por viver momentos angustiados – e dizem que não há nada mais aprazível que contemplar um bando de crianças comovidas). O condutor tentou se livrar do apuro em que se metera saracoteando a locomotiva ora para cá ora para lá, e os meninos sibilavam, torcendo para vê-lo bater.
E eu também berrava e cantava hinos e provocava os emburrados e me dirigia às bordas como se quisesse ganhar as ruas... Daí tia Patrícia me tomou pelo braço e me fez sossegar entre os mais comportados, junto às professoras. Eu obedeci, pois há pouco tivera que passar uma longa hora sentado no canto da sala de aula, esperando que uma maldita lição de artes marciais, cuja submissão exagerada me desagradava, acabasse e fizesse os berros sincronizados cessarem.
E eu olhava de esguio as meninas tímidas que pareciam sentir asco da alegria exagerada que as cercava, como se já fossem adultas infelizes... Daí eu me recordei de seu comprometimento desgostoso de decorar os passos e trejeitos da quadrilha (da qual fugi) e mais tarde reproduzi-los em frente a velhos burlescamente encantados com toda aquela humilhação. Por me aproveitar cinicamente das distrações das sentinelas para voltar-me aos convivas mais entusiasmados, recebi um ultimato de tia Silviana. Eu cedi, pois há pouco ela me despira sem qualquer sobreaviso, exigindo raivosamente que eu fizesse parte de uma absurda aula de natação.
E os garotos com aparência saudável zombavam sem pudor do meu constrangimento, e eu revidava até me cansar... Daí eu me encolhi e suportei como uma rocha cinematográfica os papéis lambuzados de um cuspe bélico asqueroso que atingiram minha nuca. Por se impressionar com a malhação covarde, tia Márcia sentou-se a meu lado para me guarnecer. Mas lembrei-me de que fora ela quem me fizera levantar com as calças tomadas por merda numa fétida aula de matemática. E, arruinado pela lembrança, eu tratei de morrer para as horas.
Os vagões, enfim, desprenderam-se da armadilha – as crianças, já entediadas, ao ver que voltariam a balançar entre as ruas, agitaram-se como antes: seu espírito não ampara as impressões da hora passada, mas, sabe-se lá por que, sua memória guardará cada ato da infância desmedida. Da mesma forma que eu trago em mim, como cicatrizes, as recordações vívidas de uma época que fazia valer lembranças.